Foi inoportuna a decisão de transformar em ato oficial no Palácio do Planalto, com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o lançamento de um livro com o balanço do trabalho da Comissão de Mortos e Desaparecidos, da Secretaria de Direitos Humanos do próprio governo federal.
Saradas as feridas de um período nada edificante da história recente do país, a ninguém interessa esse tipo de iniciativa, potencialmente capaz de produzir tensões e de irritar tecidos sociais ainda sensíveis.
O pior que poderia acontecer, nessa altura da vida nacional, é a reabertura da discussão sobre algozes e vítimas dos porões da ditadura militar. Esta é uma ferida a se deixar cicatrizada.
No final da década de 70 e na de 80, o país soube operar a transição da ditadura para o regime democrático, sem a necessidade de pedradas, tiros e acerto de contas.
Em 1979, a Lei da Anistia cuidou de reparar a maior parte das situações de flagrante injustiça e violações dos direitos humanos cometidas durante os anos de chumbo. Mas alguns setores, com razão, criticam o fato de não se ter tido a mesma preocupação em relação aos militares que foram vítimas de grupos armados de esquerda.
Certamente, é importante lembrar o 28º aniversário da Anistia e a relevância da atuação de 11 anos da Comissão de Mortos e Desaparecidos, criada para apurar detalhadamente o que aconteceu nos vários casos envolvendo presos políticos e vítimas da repressão. Ressalte-se: ela não foi instituída para revanchismos.
A partir desse trabalho, a Comissão recomendou a indenização, pelo governo, de 221 famílias - ação que também não está imune a críticas, por causa de critérios discutíveis usados no cálculo das indenizações.
Seja como for, trata-se de uma atividade minuciosa, que envolve situações melindrosas e feridas dolorosas do passado. A melhor maneira de levá-la à frente é discretamente.
Espera-se, portanto, que seja apenas um equívoco do governo aproveitar o 28º aniversário da Anistia para um ato que, em vez de apaziguar espíritos, fere susceptibilidades, desenterra velhas rixas e reforça a incabível idéia de se atropelar a Lei da Anistia, que foi recíproca.
Em países menos previdentes em relação a fatos de seu passado recente, como a vizinha Argentina, essa volta no tempo tem se mostrado um poderoso fator de desestabilização interna e dificultado a consolidação da ordem democrática, duramente reconquistada. Não é este o futuro que se quer para o Brasil.