sexta-feira, 24 de julho de 2009

O desafio de mapear a Amazônia

A Amazônia Legal possui uma área total de 5,2 milhões de quilômetros quadrados, dos quais cerca de 1,8 milhão não possui informações cartográficas terrestres do relevo compatíveis com escalas maiores que 1:250.000. Essa área, denominada de "vazio cartográfico", pode ser dividida em 1,5 milhão de quilômetros quadrados que correspondem à área de floresta e 300 mil à área de não-floresta.

A constante presença de grande quantidade de nuvens na região, a alta densidade da vegetação, as dificuldades logísticas e os perigos naturais da selva são os fatores responsáveis por tornar o mapeamento da Amazônia o maior desafio nacional para os profissionais da área.

Mesmo com o uso das mais diversas e modernas tecnologias dos sistemas sensores ópticos orbitais e aerotransportados, essa floresta, grandiosa em sua beleza e extensão, cria obstáculos quase que intransponíveis às atividades de cartografia e topografia.

Inserido nesse contexto, de vencer desafios e garantir informações terrestres necessárias à soberania nacional, encontra-se o Serviço Geográfico do Exército Brasileiro, executando o Subprojeto Cartografia Terrestre do Projeto Implantação do Sistema de Cartografia da Amazônia.

Tal projeto é o resultado de vários anos de articulação, do qual participam também o Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam), a Marinha, a Força Aérea Brasileira e o Serviço Geológico do Brasil (CPRM), por meio de um Acordo de Cooperação Técnica assinado em 26 de fevereiro de 2008 e com vigência de cinco anos.

Foram estabelecidas as atividades con-juntas dos partícipes, na consecução do projeto denominado, cujos resultados es-perados são a geração de produtos cartográficos (planialtimétricos) e geoinformações com precisão compatível com as escalas de 1:50.000 e menores, a geração de cartas geológicas nas escalas 1:100.000 e 1:250.000 e a atualização da cartografia náutica na escala 1:100.000 das principais hidrovias da região amazônica.

O Projeto Cartografia da Amazônia é composto de três subprojetos: a Cartografia Terrestre, sob a responsabilidade da Diretoria de Serviço Geográfico (DSG) com apoio da Força Aérea Brasileira (FAB); a Cartografia Geológica, sob a responsabilidade do Serviço Geológico do Brasil; e a Cartografia Náutica, sob a responsabilidade da Diretoria de Hidrografia e Navegação da Marinha (DHN).
O projeto tem dimensão estratégica e sua realização permitirá o aprofundamento do conhecimento sobre a Amazônia Brasileira, bem como o suporte a projetos de infraestrutura a serem implantados na região. Além do desenvolvimento regional, o projeto prevê a geração de informações para monitoramento, segurança e defesa nacionais, com especial ênfase nas áreas de fronteira. Serão gerados também modelos numéricos de elevação e informações detalhadas sobre a estratificação vegetal, em abrangência ainda não realizada na Amazônia Brasileira, que projetará positivamente o Brasil quanto ao conhecimento daquela região.

A solução tecnológica para superar a dificuldade relacionada à constante presença de nuvens na Região Amazônica é o emprego de Radares de Abertura Sintética (SAR). As áreas de floresta serão imageadas com sistemas sensores SAR interferométricos (InSAR) nas bandas P e X, possibilitando, desta forma, o mapeamento planialtimétrico no nível do solo e da copa das árvores. O serviço de aerolevantamento InSAR está sendo realizado pela empresa Orbisat da Amazônia Indústria e Aerolevantamento. As áreas de não-floresta, que compreendem as áreas desmatadas, áreas de cultivo agrícola, áreas de pecuária, etc., localizadas onde avança o arco do desflorestamento, serão imageadas com o uso dos radares interferométricos, nas bandas L e X, das aeronaves R99-B do Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam).

A quantidade de dados produzidos é imensa. Todas as unidades de discos rígidos provenientes dos dados do aerolevantamento são remetidas para o Centro de Imagens e Informações Geográficas do Exército (CIGEx), em Brasília, onde são processados para a geração das imagens e dados vetoriais, de acordo com a Infraestrutura Nacional de Dados Espaciais (Inde).

Um requisito para o processamento é a implantação de refletores, denominados corners reflectors, que serão empregados na sinalização do aerolevantamento SAR. Tais refletores são implantados no campo e medidos por meio de GPS pelos militares da 4ª Divisão de Levantamento do Exército (4ª DL), sediada em Manaus. A seleção dos pontos de instalação tem uma metodologia que leva em conta a largura das faixas de voo, as precisões desejadas, o limite operacional da tripulação e da aeronave, a acessibilidade e o requisito de preservar o ambiente, sem cortar uma única árvore.

Apoio em campo

A região é totalmente inóspita e todos os deslocamentos de pessoal e o transporte de suprimentos, combustível, equipamentos e outros materiais são muito difíceis.

As equipes de campo são compostas por topógrafos e outros militares, gerenciadas por oficiais engenheiros cartógrafos. A preparação das equipes de campo envolve, além da capacitação técnica na área radar e posicionamento GPS, uma extensa programação de cursos e estágios para operação em condições tão extremas, como o conhecimento de noções básicas de sobrevivência na selva, primeiros socorros, resgate aquático, condução de embarcações, dentre outros. Esse pessoal é destacado em bases pré-estabelecidas nas cidades próximas às áreas de trabalho. A partir daí, pequenas equipes, geralmente com quatro homens, seguem para o meio da floresta por meio fluvial ou aéreo. Os deslocamentos até os locais, nos quais serão feitos os rastreios GPS e colocados os refletores, podem chegar a mais de mil quilômetros e levar vários dias de voadeira (lancha regional). Ressalta-se que são transportados também notebooks, geradores, aparelhos de comunicação, combustível, gêneros alimentícios, material para sobrevivência e resgate, além do equipamento individual e do armamento necessário, dadas as peculiaridades da região.

Essas equipes ficam acampadas na selva por uma semana, até que a aeronave realize o vôo radar previsto para aquela área, quando então podem retrair para a base ou prosseguir para outro ponto.

Juntamente com as equipes são mobilizadas viaturas leves, caminhão e caminhão tanque com combustível de aviação para a aeronave radar, bem como inúmeros outros equipamentos. Tudo isso é feito por balsas que, a 12 quilômetros por hora, levam dias para transportar o material até o destino.

Em face da obediência às legislações ambientais, é proibida a abertura de clareiras. Como há necessidade do uso de GPS de precisão e implantação dos refletores, que devem ser visualizados pelo radar, as equipes têm que procurar na selva locais que possibilitem o rastreio e a montagem dos corners reflectors. Desta forma, alguns pontos são feitos sobre pedras existentes nos leitos dos rios ou em cima de plataformas montadas na hora pelo pessoal.

Vale lembrar que o local de trabalho possui animais selvagens, diversas doenças tropicais, corredeiras e grande incidência de chuvas fortes.

Esse projeto é, sem dúvidas, um marco na história da cartografia nacional, não apenas pelos produtos cartográficos gerados e dificuldades na sua execução, mas principalmente por se tratar do mapeamento de uma região de extrema importância no contexto internacional e quase que desconhecida do ponto de vista cartográfico.

Gen Pedro Ronalt Vieira - Diretor do Serviço Geográfico do Exército; Maj Antonio Henrique Correia - Chefe da Seção Técnica da Diretoria do Serviço Geográfico do Exército; Cap Rogério Ricardo Silva - Chefe da Equipe de Levantamento da 4ª Divisão de Levantamento.

(Disponível em: http://www.mundogeo.com.br/)